24 de dezembro de 2011

Fábulas

24 de dezembro: acordei mais cedo, tomei uma xícara de café e convidei o cachorro para um passeio pelo gramado. São apenas dias normais, embora haja um esforço enorme em fantasiar o contrário.

"Outro dia para fazer valer a pena", pensei, enquanto via o bicho correr de um lado para o outro, feliz com a grama ainda úmida.

18 de novembro de 2011

Flor

Por entre a fumaça e o barulho de escapamentos, ela surge com um sorriso largo, acenando.

— Um instante e já chego!

E São Paulo fica pequena, vazia, florida.

Há coisas que são assim, não tem como esquecer, é contra nossa força — ou a gente se faz de fraquinho porque é bom sentir.

"Dançaremos como dois bailarinos, mesmo em campo minado", ele pensa, pisando em solo duro, mas flutuando como se estivesse em La Jolla.

27 de outubro de 2011

Confiável

Um homem que relembra a infância dizendo que trocaria toda a carreira por ela: sim, é confiável.

14 de outubro de 2011

Mágica

Imagina-se um palhaço sem maquiagem e aquele nariz redondo e engraçado. Está diante de uma plateia fria, que trata igual a todos: animais, velhos e crianças. Pensa que os homens são todos iguais — portanto, de que adianta a luta pelo amor, de que serve a saudade, o que é importante?

Sente-se nu. Corre em busca de algum remédio ou tira-gosto, e os encontra — placebos em alguma análise, arte, culinária, viagem, religião ou partida. Então, como num passe de mágica, o mundo volta a ter cores.

13 de outubro de 2011

Ofício

Só quero a felicidade do momento: sentir a chuva sem perguntar por que ela cai. Aliás, assim poderia ser a epígrafe deste sonho: "a vida é leve e nos leva a dançar". E a dança leva, por sua vez, a um tira-gosto peculiar. Ao nosso lado, não há ninguém, e a sós nos sentimos livres! Que acha de buscarmos um vinho e derramarmos sobre o corpo?

A infelicidade parece calar-se e assistir a esses pequenos devaneios. Fecho os olhos, aos pulos de um contentamento alienado, mas gratificante. Sinto-me limpo com os cabelos molhados — e me lembro de Gene Kelly em Singin'in The Rain, até tento repeti-lo, mas me falta jeito. Valorizar a vida é ater-se ao ofício de viver.

29 de setembro de 2011

O começo

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

O relógio por pouco não colocava um ponteiro no outro, atestando o eterno ciclo dos dias. Nunca "não deixe para amanhã o que pode ser feito hoje" fez tanto sentido.

— Um beijo e me entrego.

E nem o medo nem a dúvida, tampouco o cansaço, foram capazes de ser contrários, porque a vontade, ao que parece, a tudo vence.

— Está bem mais claro agora. Pode até apagar a luz.

26 de setembro de 2011

O significado dos gestos

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

Ela abriu um sorriso. Entre uma conversa e outra, a distância foi minimizada. Não houve fórmula, apenas um pedido de desculpas e um abraço. O significado dos gestos; a clareza das palavras, maior que o incômodo da fuga. Distraíram-se entre frases e xícaras.

— Olha — começou ela, olhar fixo para ele —, perto de você, mesmo que seja por um breve momento, há sempre algo bom para compartilhar.

Ele sustentou o olhar.

— Diga-me.

— Você me traz coisas boas.

— Também me sinto bem perto de você.

Ela se afastou um pouco.

— Então por que fugiu?

— Não sei dizer; acho que tive um pouco de medo. Isso não é vergonhoso. É?

— Eu entendo você, sinto um pouco disso também.

22 de setembro de 2011

As experiências e o reconhecimento

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma


Banalizaram o amor, só pode. Está tudo tão corriqueiro que a melhor saída passou a ser a porta que dá para o inverno. É tanto "eu te amo" que é difícil saber quando é verdade.

Os dois haviam passado por péssimas experiências, frustrações. No fim das contas, tinham medo. Só não sabiam exatamente de quê.

Ele, sobretudo. Escondia na rudez o coração sempre tão quente. Acendeu um cigarro, pediu desculpas e um abraço. "Está frio aqui fora, venha, vamos para casa".

Não pensava em sexo, queria conversar, ver algum filme, reclamar do emprego, rir da própria vida. Não há melhor cabeça do que aquela que ri das próprias fraquezas, as assume, promete a si ingenuidade.

— Vou pedir ao meu peito para ser menos bruto — ele disse.

— E eu para que nunca desista; fosse diferente, eu não estaria aqui — ela respondeu.

A TV mostrava as mesmas bobagens de sempre, mas, ao menos, a temperatura era outra. E havia café e tantas outras coisas para distrair, para deixar tudo mais leve.

— Nada é certinho, dois e dois, sem percalços. No fim, vamos rir de tudo isso.

— Quando acordei, me senti um soldado que se levanta para o ofício; seu árduo, mas necessário ofício. Eu tinha uma missão, eu sabia que tinha de vir, eu não podia adiar, eu não podia falhar.

— Embora sem saber o caminho.

— Mas você sempre soube. Entende isso? Você é o mapa.

19 de setembro de 2011

Adeus resistência

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

A resistência, no entanto, não durou muito. Em silêncio, lembrou-se de como era bom ter o corpo dela junto ao seu, o quanto foi forte dizer com os olhos coisas de amor. Estava absorvido pela lembrança daquele perfume que ficou impregnado em seu corpo o dia inteiro. Como se livraria dele?

Instantes depois, abaixou o rosto, tirou o chapéu e respirou fundo. Quando levantou a cabeça, suas feições já estavam suavizadas, e ele disse que precisava pensar um pouco.

— Foi tudo tão difícil que eu...

— E você acha que foi fácil para mim?

E realmente não havia sido. Relacionamentos fracassados e o excesso de independência levaram-na a desacreditar. Formulou o pensamento, mas a boca tratou de calá-lo.

15 de setembro de 2011

O equívoco

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

Não se joga fora uma noite como aquela. Estava ali para colocar as coisas no eixo, cada quê em seu devido lugar.

— O homem com quem dividi lençóis tinha um coração.

— Peço desculpas, estou um pouco confuso.

E por um instante ela ficou sem saber o que dizer. Talvez tenha se equivocado: ele não disse nada demais!

Ele, por sua vez, sabia que não era fácil manter a armadura que havia preparado para o momento. Passou o dia todo formulando cada palavra de efeito, cada frase. Tudo para manter-se à distância e mascarar os sentimentos.

Afinal, havia praticamente fugido sem ao menos dizer a ela que havia sido uma noite adorável. Era o que ela gostaria de ouvir.

Ao invés de carinho, usou a frieza e quis machucá-la. Pegou o caminho mais fácil para esconder o que havia sentido.

12 de setembro de 2011

Duas almas

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma


Havia lhe dado o que tinha de melhor, e o que recebia de volta?

Até a noite passada, sentia-se leve. Por conversarem bastante, abriam-se como duas almas que se entendem. Ele confessava seus amores errados, tantas namoradas a quem havia dado rosas e recebido cinzas.

Ela, por sua vez, falava sobre o dia anterior: trabalho, supermercado, fila de banco, louças no jantar. Trabalhar e cuidar da casa nunca foi fácil. Ele ouvia atentamente, parecia-lhe um amigo de longa data por quem nutria confiança e uma pontinha de tesão.

Era muito atraente, a barba sempre por fazer, os cabelos despenteados, a roupa despojada.

Foram meses assim, em conversas quase diárias no almoço, no mesmo pátio de shopping onde se encontravam e comiam, juntos, antes de voltarem ao trabalho.

Até que certo dia um contou ao outro o que sentia. "Para falar a verdade, sempre lhe achei atraente". Ela, sorriso contido, respondeu que era recíproco.

Naquela noite — ou na noite passada —, se encontraram. Adultos, bem resolvidos e sozinhos. Uma noite para tirar todo o fardo diário da vida adulta.

Mas, no dia seguinte, veio o peso da incompreensão, cuja força mais parece chumbo!

8 de setembro de 2011

O encontro

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

À medida que olhava o relógio, a ansiedade aumentava; começou a inquietar-se, não tinha como voltar: o caminho era desconhecido, as respostas também. O medo aflorava pelas incertezas do encontro. Pensou em declinar, mas ouviu o barulho de passos atrás de si. Era ele.

O rosto sério, os lábios contraídos, nem parecia o homem de ontem e de sempre. Usava um chapéu preto que lhe dava certo ar de superioridade.

— Você, às vezes, me surpreende; já não é uma menina, mas se comporta como uma!

— Eu queria olhar para você e entender. Precisava respirar.

— Pensei que você soubesse que as coisas não funcionam conforme sua conveniência. Não houve promessas; não devo respostas.

5 de setembro de 2011

Na escuridão

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

Passos firmes, ela cruzou a Avenida Sul e foi ter com ele na Rua Estreita. O que havia posto como missão, passou a ser vontade. Vontade incontida de encontrá-lo. De olhá-lo e fazer as perguntas que a inquietavam.

Quando chegou, hesitou um pouco por conta da escuridão que tomava o espaço. Não que o escuro fosse coisa estranha: toda noite, fechava completamente a porta e as janelas, conferia a cortina e tirava a TV da tomada. Tudo para não ter uma luz sequer.

Mas ali o escuro era outro, porque era misto de pouca luz e dúvida. Não havia ideias claras, nunca havia estado ali, sequer saberia voltar. Foi contornando as ruas conforme ele havia explicado — e, enfim, chegara.

"Ninguém tem o direito de me ter nos braços e passar o dia seguinte como se nada tivesse acontecido", disse de si para si. Era 22h15; ela o esperava.

4 de setembro de 2011

... gato mundo, lebre adulto

Começo a postar amanhã uma série de textos que fiz com minha amiga Edilma, do blog O Gato por Lebre.

A série já está pronta e foi dividida em oito partes, que serão publicadas nos dois blogs ao mesmo tempo, sempre de segunda e quinta, às 9h.

1 de setembro de 2011

De saída

Viu o cachorro correr alguns metros para colocar as patas sobre sua barriga. Havia se pintado especialmente para a ocasião, escolhera a dedo o vestido florido. Disse qualquer coisa, o apressou, conferiu as horas no celular.

"Não temos todo o tempo do mundo!", argumentou, na tentativa de convencê-lo de que o relógio era importante.

Para ele, oras, sequer precisavam sair: o seis por três da sala era suficiente; ou, ao menos, o bastante para manter o amor próximo e a animosidade longe.

12 de agosto de 2011

Samba verde e rosa

Um samba de Cartola soa ao fundo, enquanto ela passa e mostra a saia. Os amigos olham, ele também, com o cigarro terminado e o copo de cerveja por encher. Como sempre, faz duas ou três piadas e ri, celebrando com o dedo em riste, feito um troféu, diploma de seu humor ultrapassado.

Outras saias balançam e levam a outros brindes. É sexta, e até segunda só o futebol será mais importante. Santa paz, ancorada na fé de que hoje basta, amanhã só-deus-sabe.

9 de agosto de 2011

Crédito

Pôs os dedos surrados sobre a mesa. As unhas amarelas atestavam o trabalho de décadas, 25 comungavam da mesma fila, à espera de um jovem que, de mau humor, levantava os olhos por cima dos óculos.

Trazia uma imensidão de papeis, pedidos e bobagens da burocracia: a credibilidade estava intrínseca, presa à munheca.

20 de julho de 2011

Um ao outro

Em certo pedaço: um poste, um bar, duas casas, outras dez — uma sobre a outra —, uma loja, outro bar e outro poste, carros, bichos e vidas. Com ele, músculos, células, sentimentos e ideias, tanta coisa junta, sobre e por dentro da outra.

Dois mundos que vivem — e ambos se completam; reconstroem um ao outro.

6 de julho de 2011

Boomerang

Submetidas aos vícios da geração anterior, as crianças crescem e adquirem hábitos. Reprocessado, o cinismo se transforma em escândalo.

20 de junho de 2011

Um ditado árabe

"O guarda-chuva pode até ser seu, mas a chuva sempre será de todo mundo".

15 de junho de 2011

Já não seria inverno

Do último andar, onde o vento é sempre forte, além de tijolos e telhados, vi os contratos sociais, as pessoas caminhando, o que foi feito de nós.

Estava triste e preocupado com as coisas. Mesmo assim, abri um sorriso. Fechei os olhos e imaginei o quanto seria divertido saltar.

Como tive vontade de saltar!

Estaria livre, leve como um algodão. Voaria rumo ao firmamento. Acabaria o inverno, voltaria o outono. No lugar do frio, folhas dançando.

Mais à noite, ao deitar-se, me livrei do pensamento com música alta e carinho na Duda. E o coração amansou um tiquinho.

8 de junho de 2011

Brief

A gente vai à esquina comprar uma Coca-Cola e quando volta já é meio de semana. Diz "até breve!" para o amigo do ensino médio e sem tempo termina a faculdade. Adota um vira-lata e de repente há pelos brancos no bichinho.

6 de junho de 2011

Conforto

Carlos acorda, vai ao espelho e faz a barba. Precisa correr para dar conta de tudo, e do que ontem não deu. Finalmente faz dinheiro! Com a liberdade cerceada, mas isso já não é problema: integridade começa por pagar as contas. Já não é um menino.

Carlos diz a si que merece tudo o que enfim pode ter. Embora, de fato, não tem nada, a não ser o livro dos dias, a escrita da história. 

Carlos é aquele que jurou nunca ser. Resistiu, mas finalmente pertence ao mundo adulto.

30 de maio de 2011

Um par de meias

Três da manhã, acordou com a parede escura presa aos olhos. Tinha tanta coisa na cabeça que mal podia pensar. O controle remoto sem pilha, aquela visita à mãe que ficou para ontem e não deu.

Mais três horas e precisaria consertar aquela peça, ao preço de quatro anos de serviço.

Pensou em levantar-se, mas desistiu ao sentir um pé de meia encostando em sua perna. Lembrou-se, então, que para tudo havia um sentido. Riu de si. Respondeu ao toque e ouviu o gemido inconsciente de toda noite. Dois pés juntos, um par de meias, e estava pronto para outro dia.

9 de maio de 2011

Perguntas

— O que você acha?

Inquietou-se. Sentada, brincava com o canudo na Coca-Cola, enquanto esperava o lanche e mexia no celular. Ele, ali desde antes de ela chegar, não parecia inconveniente, embora houvesse lhe feito uma pergunta! Havia tanto tempo que ninguém lhe perguntava nada que até estranhou. 

Era tímida e passava o dia nas redes sociais. Num mundo onde ninguém faz perguntas, é tão raro falar de si que as pessoas passam horas respondendo perguntas não-feitas, "achei a novela muito boa". Ela sabia que ele, decerto, já havia entendido: ela era sozinha. Bonita, mas solitária.

— É justamente o que penso.

E passou a falar qualquer bobagem, enquanto ela dizia a si que nada disso era preciso. "Palavras: quanta coisa se perde entre elas!", repetia, em pensamento. Veio o lanche e ela comeu apenas escutando, embora sem prestar muita atenção. Talvez porque ele dizia e dizia, mas não ouvia. Assim, era melhor ver o que a internet trazia de novo.

4 de maio de 2011

O lado humano do rei

A retórica da batina, a caneta do jornalista, o microfone da política, qualquer que seja — por trás de cada palavra, a entrega: estamos no mundo da incomunicabilidade, e só a palavra não basta.

Porque não há ninguém que seja mais ou menos homem que ninguém: entre os iguais, o que diferencia uns dos outros é a intensidade com que se busca uma resposta — ou, entre os mais sábios, uma pergunta.

Talvez por isso, mas não só por isso, as instituições são tão falhas: embora queiram estar acima dos limites humanos, de acerto e erro, são feitas por gente, guiada por uma razão construída historicamente.

Saramago dizia sem dizer: a verdade depende de qual lado da mesa você está sentado.

25 de abril de 2011

A resposta do rei

No mundo crescido, ao que parece, a preocupação está em mostrar aos pequenos que não é bom dizer que o rei está nu, mesmo quando claríssimo.

Porque, ao notar o perigo de uma boca sem limites, o rei tratará de adestrá-la e enumerar o que deve e não deve ser dito, visando, é claro, o bom convívio.

Manual prático de bons costumes, mandamentos, apostilas: quanto mais se facilita, menos se esclarece, o que faz do "treinamento" o cerne administrativo onde ficam, quase todos, dependurados.

17 de abril de 2011

Imitation of life

A repetição o encanta: todo gesto de rotina, do caminhar da casa à padaria, às 6h15, ao sono que reaparece, às 23h30, com o fim de um programa na TV.

É bastante feliz. Quando a gata encosta o pelo em seus pés, enquanto come pão com margarina, percebe a dose necessária de encanto — que o deixa enleado diante de um mundo rarefeito.

Quando deita a cabeça no travesseiro de sempre, o mundo, embora o mesmo, se revigora.

15 de abril de 2011

De rua

Branco, mas com o rosto preto, parece uma máscara. É engraçado, mas é bonito também. Está um pouco sujo, o que é compreensível. Não é questão de gostar ou não de água.

Estava com fome! Acabou de comer pão e bolacha com leite. Bebeu água também. Foi o suficiente: não para de sorrir. Agora, aquietou-se: está deitado, de cara no chão. O que será que pensa?

Se eu estava sozinho, já não estou: sinto que, como se para me recompensar, pularia na frente de um tiro. Como é que alguém abandona um coração desses?

12 de abril de 2011

Bom lugar

Cabelo vermelho, sorriso contido, Mafalda Morfina, saia e All Star preto. Uma sensação estranha de que o mundo anda chato. Quem sabe em Marte seja melhor.

Cabelo longo, riso escondido, Rush, jeans e All Star preto. Uma sensação incômoda de que o mundo anda chato. Quem sabe alguma extraterrestre o complete.

Não se falam; mas sabem: não só as palavras dizem.

9 de abril de 2011

Inquietude

O lado de dentro da máquina de café, a última camisa da gaveta do meio, o primeiro da lista telefônica, o que a Duda comeu e vomitou?

O sabor do café que vai sair, a próxima vez que irá chover, o próximo riso com algo qualquer, a próxima frase deste texto. Será que tem requeijão? Terminar assim faz algum sentido?

9 de março de 2011

3/4

Deita-se no sofá com um pequeno espelho de bolso: vê um senhor cujas rugas saltam à testa e dizem que, sim, as coisas mudaram e já não é um menino.

Levanta-se, busca um jornal e algum tira-gosto, liga a TV. Afinal, é melhor ver o espelho de todo mundo que o espelho de si; e esquecer, de alguma forma, que o relógio não espera por ninguém.

27 de fevereiro de 2011

O que não se apaga

Se as coisas verdadeiras são aquelas que duram, não é difícil perceber o que vale a pena e o que não. Por esse motivo, e só por esse, é preciso separá-las em categorias distintas: as que merecem crédito e as que não merecem.

Na primeira, o que permanece. Na segunda, o que dura tempo irrisório e se apaga.

Por esse motivo, mas não só por esse, tenho orgulho de tudo o que me dá saudade: prova que o tempo e a luta não foram em vão.

Guardado, como aquelas coisas que ficam numa caixinha de sapato em cima do guarda-roupas, fica o que jamais deixará de ser importante para mim, mesmo que não signifique nada para mais ninguém.

23 de fevereiro de 2011

Tudo solto e sem regra

Bate o pão no leite com café. Vê cimento, areia e água, fala de gesso, cal, bate a pá, sobe um pó, vê pedra e suor, água e sol. Toda manhã pelo amanhã do amanhã. Pela noite da noite.

Tira a camisa, enxuga a testa e olha a saia. Ninguém mais viu? E ninguém trouxe a malvada? Sem ela o dia é mais longo!

Feijão e arroz, batata e água. Baita sol, tijolo que não termina, tarde que não se vai. Risos, sonhos, futebol e carnaval.

Guarda tudo. Banho, jornal, cama e namorada. Um sonho sem regra. E o dia nasce de novo.

19 de fevereiro de 2011

Perspectiva

Não é fácil, mas é útil e torna o mundo melhor. Aquele momento, como disse Gramsci, em que o velho ainda não morreu e o novo ainda nasce, é a causa e a solução de tudo.

Não fosse assim, ainda estaríamos grunhindo em cavernas.

13 de fevereiro de 2011

Limite

Até onde sei é até onde posso.

26 de janeiro de 2011

Dois

Giuseppe e Anita, John e Yoko, Lampião e Maria Bonita, Lancelot e Guyenivere, Júlio César e Cleópatra, Sartre e Simone, Perón e Evita, Tristão e Isolda, Tomas e Tereza...

Na realidade e na ficção, para o coração, dois sempre é um. E só se vê casa e abrigo, sendo a casa qualquer canto e o abrigo, um abraço.

25 de janeiro de 2011

Duda e eu

Sentei ao seu lado, ela deitou a cabeça em mim. Bocejou com a calma de sempre — as mesmas lições de todo dia.

Segurei seu pelo macio. "Os homens lá fora estão encenando", eu disse. Ela me olhou e entendeu, eu sei. "Eles se dizem preocupados com coisas nobres, mas só querem resolver seus problemas individuais".

Percebi ela triste também. Pode não falar, mas entende. Daí resolvi mudar de tom, não gosto de chatear ninguém com minhas coisas. Pedi sua bolinha e tive certeza: há sempre uma patinha na falta de uma mão amiga.

21 de janeiro de 2011

A aventura

Sentaram-se, as três, em dois puffs. Uma se apossou do controle, comentando sobre o filme. "É dos melhores do Antonioni". Outra lembrou-se do chocolate quente.

Tiveram outra ideia, jogaram almofadas pelo chão e sentaram-se sobre elas, felizes. As três se entreolharam, e alguém tomou voz. "Aperte o play".

19 de janeiro de 2011

Estrada

É preciso cumprir o itinerário, e o tempo não é ruim. Traz calos e rugas, mas as maiores verdades estão nas coisas que marcam.

5 de janeiro de 2011

2011

Outro ano. Aqui está tudo bem e espero que aí esteja também!