20 de maio de 2010

Contanto

If you want to promote your gig, go ahead.

Vão dizer: não! Vão dizer: sim! 

Mas não se importe, contanto que você o banque se, por ventura, não for o que imaginava.

13 de maio de 2010

O barco e eu

Estou no meio do mar sobre um barquinho. Faz frio, muito frio, e me irrito, pois quero voltar à terra firme.

Fechado na campânula dos dias, me sinto estranho. Tenho a nítida impressão de que o mundo gira cada vez mais rápido, e mais rápido que eu.

É quando me vem à cabeça o óbvio e os dias começam a passar devagar: se o barco está à deriva, de nada vale ter pressa. No fundo, é ao sabor do acaso que retornarei. Não há nada no oceano a não ser o barco e eu.

Se é o que me resta, é mais do que preciso.

11 de maio de 2010

Proporção

Tinha 8 anos quando pus o dedo úmido no caminho que formigas trilhavam no chão de casa. Elas se perderam, e eu descobri encantado o impacto que o obstáculo causou.

Se mantivessem a calma e dessem a volta ao redor do círculo molhado, poderiam dar sequência à rota sem tormento, profusão, esbarrões. Não conseguiram. Só tempos depois, embora minutos, mas que devem ser uma eternidade para elas, se reorganizaram.

I have the impression that, saved the rightful proportions, the adult world isn't different: um dedinho de criança é o suficiente para desprender dos trilhos a marcha dos homens.

9 de maio de 2010

O cansaço e o guarda-chuva

Parecia que não ia dar certo, que não ia se resolver. Porque ela estava exausta de não tê-lo por completo, e ele, chateado por ela não compreender o motivo.

Havia peso no caminho, sempre, em cada recriar, renascer, a cada café da manhã. Ele fazia a barba depressa, ela contava os problemas do dia anterior, ele prometia pensar no assunto, ela dizia saber que não era verdade. 

Mas, à noite, os lençóis se desarrumavam trazendo a certeza de que ainda havia motivos. "Motivos". Isso tornou-se forte, feito um ditado. "É na tempestade que se conhece o guarda-chuva".

Ele a abraçou. "Obrigado por se abrir e me abrigar". O cansaço atravessou a porta e se foi; e o abraço os abrigou do frio que, porta aberta, invadiu o lar.

8 de maio de 2010

O fio da vida e o coração

Antes havia cartas, depois e-mails e agora mensagens por celular. A vida tinha modernizado tudo, mas ambos, como se parados no tempo, conservavam o coração lá atrás, quando ainda crianças e sem interesse.

Agora era vida adulta, contas, trabalho, supermercado. O calendário corria e tudo permanecia igual. Mas, no fundo, não era bem assim, contanto que ele visse de outra forma.

Foi quando entendeu o que se passava e deitou, tranquilo, para dormir. Sem pensar. Porque já havia se convencido de que as pessoas não saem, nunca, da nossa vida. E que a teria para sempre, mesmo que não a tivesse nunca mais. Ela estava dentro de si, presa ao fio da vida. Ele sentiu-se perto; perto do coração.

7 de maio de 2010

A viagem e o retorno

Vinte anos mais jovem, ela o admirava por sua capacidade de dar atenção às coisas simples. Porque ela, para fundamentar seus sentimentos, vivia citando Rimbaud, Rainer Maria Rilke e Baudelaire. Ele dizia ser preciso, antes, cuidar do jardim. 

Duas décadas mais experiente, ele a admirava por não temer o futuro. Porque ele não dava passos sem calcular a conta no banco, o seguro da casa, as taxas nos supermercados. Gostava de ser assim, não era brigado com a vida, sentia-se seguro. No entanto, dizia a si que, se ela era ele vinte anos antes, não queria que ainda o fosse vinte anos mais tarde.

Porque sabia que estava ficando velho, chato e cinza. Talvez por isso se gostavam tanto: era ele a viagem dela, e ela, para ele, um retorno.

5 de maio de 2010

A memória e a calma

O que sobrava a ele, faltava a ela: calma para sair das situações embaraçosas. Mas ele não tinha o que era uma virtude dela, embora um tormento: uma memória irretocável.

Esquecia-se, ele, de tudo. Tinha medo da memória dela e de como ela trabalhava com os dados que ele oferecia.

Não era diferente com ela. Não se anda leve quando se carrega o fardo de lembrar-se de tudo.

Essa briga entre calma e memória deu resultado ruim: ela não se esquecia do amor e ele o esperava em outro tempo, não dava urgência.

Foi quando descobriram, juntos, que só há um remédio para essa disputa: parar o relógio. Daí para frente, bastou descobrir como fazer isso; e, ao descobrirem, bastou.

4 de maio de 2010

5x4

Um copo de café pela metade, um telefone que toca sem parar e libretos espalhados sobre a mesa. Notas, requisições, discos e livros, uma cuia de chimarrão, chaves, secante de cobalto e cola bastão.

A planilha do mês aberta, avisando que ainda há dias e dias para que maio termine. 

A porta aberta mostra o pátio solitário de fim de expediente, um inseto entra, dá um rasante e sai. Estou e não estou, às vezes penso que permaneço, em outras que nunca estive. Lembro de pessoas, da noite passada, de outras coisas, do que vivi, do que deixei de viver, da correria e de tudo, que é muito, mas é pouco. Porque sempre é bastante e exaustivo, mas sempre é o mínimo para o que é para ser.

O ventilador gira e o relógio também, contando o tempo com a frieza das máquinas. O sol desce, o dia levemente cai e a noite aos poucos chega. Parado, sentado, meço a inércia diante dos fatos e me cobro motivos. Porque, daqui, só eu não sou uma coisa.