30 de novembro de 2012

Chá

A réplica de Da Vinci tomou Picasso por forma: Mona Lisa, como Jacqueline Roque. Passou a rir e a sentir picadas de insetos, tirou o roupão e começou a dançar. Gritava palavras de ordem: "Siga as regras, és uma oprimida, ponha-se no seu lugar!". 

Tempos depois, deitou-se no carpete com o olhar preso ao teto. E ele surgiu: sorria de volta e trazia, de novo, um sentido para a vida. Fechou os olhos. 

Nada tinha mais força que o amor que voltava. O rádio ligado, o som dos carros passando, o vento na janela: o mundo externo não existia. Estava dentro de um aquário, inapta ao mundo real, binário e insensato. Era reconfortante. 

Uma tela branca, igual a essas de cinema, projetou cenas de sua vida, passado e presente. Imagens oníricas e palpáveis se adaptavam na sempiternidade, e já não queria ficar. 

Aquele chá a levou. Tudo ficou quieto: fora e dentro.

24 de novembro de 2012

A persistência da memória

Quando era pequeno, Mário não entendia como os atores faziam os filmes. Para ele, era difícil entender como conseguiam repetir a mesma fala nove ou dez vezes, se resolvesse assistir a nove ou dez vezes a mesma cena.

Ia até a mesa do jantar e falava algo qualquer a seus pais, depois voltava para o quarto e tornava à mesa para repetir o que já havia dito, tentando refazer os mesmos gestos.

Obviamente, era uma festa! Achavam graça, riam, davam nota para cada desempenho. Mário tentava o que imaginava ser possível: repetir o que só acontece uma vez.

Ao passo que crescia, ao descobrir coisas novas, se deparava com novas indagações. Até ver pela primeira vez "A persistência da memória", de Salvador Dali. Sanou um problema: o tempo é mesmo incompreensível. Já não era uma criança.

Agora, é outra era de incertezas. Nem sempre é possível encontrar uma causa para suprir a ausência de controle sobre as coisas. Não é sempre que se acha uma muleta. Nem tudo é fácil como nos vídeos. Ou crível, como quando era pequeno.