28 de dezembro de 2012

Outro círculo

Outro círculo se fecha, resta apenas algum detalhe. Faz muito bem: a vida caminha para frente. A memória irá guardar boa parte do trajeto. Tudo o que foi bom de um lado, e o que não foi, do outro. Em todo caso, um aprendizado.

É hora de traçar novos caminhos.

30 de novembro de 2012

Chá

A réplica de Da Vinci tomou Picasso por forma: Mona Lisa, como Jacqueline Roque. Passou a rir e a sentir picadas de insetos, tirou o roupão e começou a dançar. Gritava palavras de ordem: "Siga as regras, és uma oprimida, ponha-se no seu lugar!". 

Tempos depois, deitou-se no carpete com o olhar preso ao teto. E ele surgiu: sorria de volta e trazia, de novo, um sentido para a vida. Fechou os olhos. 

Nada tinha mais força que o amor que voltava. O rádio ligado, o som dos carros passando, o vento na janela: o mundo externo não existia. Estava dentro de um aquário, inapta ao mundo real, binário e insensato. Era reconfortante. 

Uma tela branca, igual a essas de cinema, projetou cenas de sua vida, passado e presente. Imagens oníricas e palpáveis se adaptavam na sempiternidade, e já não queria ficar. 

Aquele chá a levou. Tudo ficou quieto: fora e dentro.

24 de novembro de 2012

A persistência da memória

Quando era pequeno, Mário não entendia como os atores faziam os filmes. Para ele, era difícil entender como conseguiam repetir a mesma fala nove ou dez vezes, se resolvesse assistir a nove ou dez vezes a mesma cena.

Ia até a mesa do jantar e falava algo qualquer a seus pais, depois voltava para o quarto e tornava à mesa para repetir o que já havia dito, tentando refazer os mesmos gestos.

Obviamente, era uma festa! Achavam graça, riam, davam nota para cada desempenho. Mário tentava o que imaginava ser possível: repetir o que só acontece uma vez.

Ao passo que crescia, ao descobrir coisas novas, se deparava com novas indagações. Até ver pela primeira vez "A persistência da memória", de Salvador Dali. Sanou um problema: o tempo é mesmo incompreensível. Já não era uma criança.

Agora, é outra era de incertezas. Nem sempre é possível encontrar uma causa para suprir a ausência de controle sobre as coisas. Não é sempre que se acha uma muleta. Nem tudo é fácil como nos vídeos. Ou crível, como quando era pequeno.

23 de outubro de 2012

Código

Deitavam-se com os olhos um no outro, era um código. E quando se desentendiam, e não se olhavam, era porque algo estava errado.

Há um código mágico no amor e duas grandes histórias comprovam isso. Foi assim com Tristão e Isolda, quando tentavam provar que eram mais fortes que a vida, e foi assim com Tomaz e Tereza, na Tchecoslováquia de Milan Kundera, do momento em que se conheceram ao acidente com o caminhão. 

Na cova de Tristão foi plantada uma videira e na de Isolda, uma rosa: as duas plantas se entrelaçaram e cresceram juntas, se transformando num símbolo do amor que sentiam. Código transformado em mito. Em "A Insustentável Leveza do Ser", Kundera faz uma análise sobre os mistérios do amor, um fardo que traz angústia e sentido à vida. Tomaz não quer deprimir Tereza, e ela, ao imaginar a vida sem ele, se vê diante de uma terrível constatação: não seria capaz de viver longe deste que, mesmo ilógico, é o mais real dos amores. Código transformado em dependência.

O código está presente a todo tempo e não reconhece lugar ou causa.

10 de outubro de 2012

Desapego

Qualquer criança sabe que o tempo anda para frente e não há como trazê-lo de volta. Mas, embora isso seja muito simples, não é sempre que conseguimos compreender.

Querer repetir o que só acontece uma vez é tão forte quanto o próprio tempo. Não conheço ninguém que desconheça a saudade. 

Não ter uma só foto de algo que me foi importante e ainda assim lembrar de tudo: isso é mais significativo do que um monte de coisas banais que, para ser franco, nem sei como chegaram a mim.

23 de agosto de 2012

Em algum canto

Eu segurava uma garrafa de Haut Brion. Estava aberta, pela metade, e eu saboreava generosos goles a cada peça de roupa que ela tirava e lançava ao chão. Tragava um desses cigarros de menta e levantava a cabeça para exalar a fumaça.

Sua boca fazia um barulhinho doce toda vez que se abria, e eu adorava ouvi-lo. Por um momento, acreditei que fazia os gestos em sincronia com a música que ouvíamos. Estava deitado, com a velha bermuda dos dias calmos de domingo, e ela ali, quase nua.

Quando se virou e colocou as mãos para trás, para desabotoar o sutiã, levei as minhas ao rosto e pensei em como aquilo me fazia bem, em como tinha o poder de fazer com que eu esquecesse dos problemas. Lá fora estava o mundo e suas dores, mas ali a vida se resumia naquele jogo, e só naquele jogo — que a cada momento se tornava melhor: a cada gole de vinho, a cada trago de menta e a cada peça de roupa aos ares.

7 de junho de 2012

Efêmero

Coçou a barba olhando os carros apressados. Memorizava os trocados do bar, tirando R$ 2,50 para o jornal. Entre um minuto e outro, procurou na memória uma boa moda de viola. O mundo girava e mordia, e ele ali, perto de se despedir.

Como se não tivesse medo. Como se entendesse que partir é necessário.

14 de maio de 2012

Riding in a spaceship 1984

Sentei no canto da cama e abri a velha caixa de sapatos, já desgastada pelo tempo. Abri os álbuns, um a um, e fiz um longo e divertido passeio.

Os amigos de infância passaram pelo quarto: Vinícius, Rafael, Danilo, Marcelo, Henrique, Guilherme, Ulisses... Estavam todos lá: os aniversários, os presentes, os primos, o longo tempo em frente ao Atari. As meninas também: Vânia, Eloíza, Fernanda, Daiane, Mariana... Arriscavam-se no futebol, em troca de parceria no esconde-esconde. Lembro que ninguém queria ir embora.

Fechei a caixa e pus fim à jornada. Decerto, a saudade é a mais contraditória das dores.

17 de abril de 2012

Fragmento

A fragmentação do mundo é sua feiura. Sua segmentação, o acesso fácil para o mundo da beleza — e só ela importa, mesmo que seja a beleza de brincar de felicidade, esperar pelas festas de fim de ano ou pelo ressurgimento do Deus da época.

São as cores de seu arco-íris imaginário: preto e branco. Ou cinza, que é a mistura de ambas. O resto é fantasia.

11 de abril de 2012

Outra forma

Não importa o que você revela, é apenas uma forma de ver e interpretar as coisas ao redor. Ou nem isso: é a forma como lhe ensinaram. 

O que realmente importa é o que você esconde: aquele tecido guardado na gaveta esperando uma ocasião especial; aquele grito de gol que ficou para outro campeonato; aquele preconceito de achar que a verdade é sempre sua. Mais ainda: é aquilo que você esconde ao impor o que revela.

2 de abril de 2012

Biscoitos

Sorrindo, me cumprimentou sem jeito e levou o pacote de biscoitos para perto de mim.

Foi engraçado: ela estendeu o pacote em minha direção, como se fosse normal eu pegar sem pedir. Por esse gesto, percebi o quanto estávamos próximos.

Kundera, Rush, URSS, Tarantino: enquanto o pacote se esvaziava, falávamos sobre tudo e não víamos o tempo correr.

14 de março de 2012

Por outro lado

Assumi os tira-gostos como essenciais à vida. Às vezes, me levam para lugares distantes e eu os agradeço. Às vezes, não quero voltar.

Eu quis esquecer o que importa, admiti, enfim, que tentei um controle que jamais mereci. Acho que tínhamos sonhos diferentes, ainda que gostássemos da companhia um do outro e de coisas semelhantes, como Rush, como "Time stand still". 

Assumi, enfim, que o tempo não para.

13 de março de 2012

Por um lado

Toda vez que meu juízo foi mastigado pelo desejo de ter você por perto, me guardei. Por dentro, a velha chama. Por fora, o de sempre.

Ficou a impressão de que nunca me feri: de meu passado seguro, nunca tive nada a reclamar. E você, que sempre me entendeu por inteiro, foi vítima desse desapego.

Porém, sempre foi tudo diferente, escondi torcer pelo fogo na luta contra a água. Gelando o relacionamento, me fiz de rei, mas sempre senti falta do calor retraído.

Também por isso, bebo agora uma cerveja preta mais gelada que o normal; talvez me ajude a neutralizar a chama que insiste em não morrer.

8 de março de 2012

Sobre Dálias

E se o perdesse, o que faria? Recomeçaria? Era assim tão dependente de afeto? Conseguiria se apaixonar outra vez com a mesma intensidade? 

"Oras, mas que bobagem, nada termina!", argumentou. "Porque, afinal, as coisas se transformam". 

Ela não se contentava com a ideia contrária. Para ela, havia algo de perpétuo em tudo, como se até a mais insignificante das causas tivesse sua sempiternidade garantida. "Como em 'A Persistência da Memória'", explicou. 

Na parede, as Dálias tinham enorme espaço. Ficavam protegidas, pois não suportam ventos — talvez nem na pintura.

23 de fevereiro de 2012

3,14

Embora simples, algumas divisões têm como resultado coisas incrivelmente difíceis de compreender. É claro: nada é tão certinho quanto um quadrado.

Hoje é dia de supermercado, e ela lembrou-se que já não precisa comprar cervejas, Diamante Negro ou Ruffles. Agora está só, e a lista de futilidades cai pela metade.

No entanto, sente-se pesada com as compras mais leves, com duas ou três sacolas a menos. Pergunta-se por que está ali, se o que precisa não se encontra em qualquer prateleira de secos e molhados.

17 de fevereiro de 2012

Duas peças depois

Duas peças depois, ela brindava o momento com o corpo em êxtase, e o espelho refletia a cintura já nua. Quatro metros por dois, e o sentido de tudo distribuído em cinco, reunidos num cantinho.

Trazia o riso largo dos jovens, desprovido de amarras, condenado à liberdade, como ensinava Sartre.

14 de fevereiro de 2012

Jogo

Ela recriou os movimentos na memória e sentiu tentada a pegar o telefone. Ele não descansou: com os olhos no celular, procurava pistas nas redes sociais.

Subitamente, uma mensagem. Ela olha, mas não é ele. Chega um novo e-mail: ele verifica, mas não vem dela.

A vida para, o jogo segue — e cada um corre o seu perigo.

9 de fevereiro de 2012

Imaginário

Ao olhar-se no espelho, gira os pés ao som de Joan Jett. São duas da manhã, meia-luz, momento único. Puro instinto no comando.

Entre livros e hábitos libertários, gosta que seja assim: fala o tempo todo com a imagem refletida, dorme e anda nua pela casa; atende o cara da pizza só de camiseta.

Abre um vinho e derrama-o além da taça. Deita-se e espera. Fecha os olhos e cria imagens. Tudo flui, selvagem: mordidas no pescoço, na nuca, nos ombros. Está só e precisa se desvencilhar do pensamento.

Mãos à obra. E Hermann Hesse, que lhe inspira um mantra budista em sânscrito no corpo, surge no desfecho: sua alma é o mundo inteiro.

18 de janeiro de 2012

Na sua

for fear
she forgets what's around
and only thinks of her imaginary friend

something is really strong
the brain
has some powers

for convenience
she forgets to be free
and keep herself locked in her corner
with her imagination

(nov. / 2011)

3 de janeiro de 2012

2012

Começa o ano no blog. A todos que aqui visitam, obrigado! Ótimo 2012!