29 de setembro de 2011

O começo

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

O relógio por pouco não colocava um ponteiro no outro, atestando o eterno ciclo dos dias. Nunca "não deixe para amanhã o que pode ser feito hoje" fez tanto sentido.

— Um beijo e me entrego.

E nem o medo nem a dúvida, tampouco o cansaço, foram capazes de ser contrários, porque a vontade, ao que parece, a tudo vence.

— Está bem mais claro agora. Pode até apagar a luz.

26 de setembro de 2011

O significado dos gestos

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

Ela abriu um sorriso. Entre uma conversa e outra, a distância foi minimizada. Não houve fórmula, apenas um pedido de desculpas e um abraço. O significado dos gestos; a clareza das palavras, maior que o incômodo da fuga. Distraíram-se entre frases e xícaras.

— Olha — começou ela, olhar fixo para ele —, perto de você, mesmo que seja por um breve momento, há sempre algo bom para compartilhar.

Ele sustentou o olhar.

— Diga-me.

— Você me traz coisas boas.

— Também me sinto bem perto de você.

Ela se afastou um pouco.

— Então por que fugiu?

— Não sei dizer; acho que tive um pouco de medo. Isso não é vergonhoso. É?

— Eu entendo você, sinto um pouco disso também.

22 de setembro de 2011

As experiências e o reconhecimento

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma


Banalizaram o amor, só pode. Está tudo tão corriqueiro que a melhor saída passou a ser a porta que dá para o inverno. É tanto "eu te amo" que é difícil saber quando é verdade.

Os dois haviam passado por péssimas experiências, frustrações. No fim das contas, tinham medo. Só não sabiam exatamente de quê.

Ele, sobretudo. Escondia na rudez o coração sempre tão quente. Acendeu um cigarro, pediu desculpas e um abraço. "Está frio aqui fora, venha, vamos para casa".

Não pensava em sexo, queria conversar, ver algum filme, reclamar do emprego, rir da própria vida. Não há melhor cabeça do que aquela que ri das próprias fraquezas, as assume, promete a si ingenuidade.

— Vou pedir ao meu peito para ser menos bruto — ele disse.

— E eu para que nunca desista; fosse diferente, eu não estaria aqui — ela respondeu.

A TV mostrava as mesmas bobagens de sempre, mas, ao menos, a temperatura era outra. E havia café e tantas outras coisas para distrair, para deixar tudo mais leve.

— Nada é certinho, dois e dois, sem percalços. No fim, vamos rir de tudo isso.

— Quando acordei, me senti um soldado que se levanta para o ofício; seu árduo, mas necessário ofício. Eu tinha uma missão, eu sabia que tinha de vir, eu não podia adiar, eu não podia falhar.

— Embora sem saber o caminho.

— Mas você sempre soube. Entende isso? Você é o mapa.

19 de setembro de 2011

Adeus resistência

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

A resistência, no entanto, não durou muito. Em silêncio, lembrou-se de como era bom ter o corpo dela junto ao seu, o quanto foi forte dizer com os olhos coisas de amor. Estava absorvido pela lembrança daquele perfume que ficou impregnado em seu corpo o dia inteiro. Como se livraria dele?

Instantes depois, abaixou o rosto, tirou o chapéu e respirou fundo. Quando levantou a cabeça, suas feições já estavam suavizadas, e ele disse que precisava pensar um pouco.

— Foi tudo tão difícil que eu...

— E você acha que foi fácil para mim?

E realmente não havia sido. Relacionamentos fracassados e o excesso de independência levaram-na a desacreditar. Formulou o pensamento, mas a boca tratou de calá-lo.

15 de setembro de 2011

O equívoco

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

Não se joga fora uma noite como aquela. Estava ali para colocar as coisas no eixo, cada quê em seu devido lugar.

— O homem com quem dividi lençóis tinha um coração.

— Peço desculpas, estou um pouco confuso.

E por um instante ela ficou sem saber o que dizer. Talvez tenha se equivocado: ele não disse nada demais!

Ele, por sua vez, sabia que não era fácil manter a armadura que havia preparado para o momento. Passou o dia todo formulando cada palavra de efeito, cada frase. Tudo para manter-se à distância e mascarar os sentimentos.

Afinal, havia praticamente fugido sem ao menos dizer a ela que havia sido uma noite adorável. Era o que ela gostaria de ouvir.

Ao invés de carinho, usou a frieza e quis machucá-la. Pegou o caminho mais fácil para esconder o que havia sentido.

12 de setembro de 2011

Duas almas

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma


Havia lhe dado o que tinha de melhor, e o que recebia de volta?

Até a noite passada, sentia-se leve. Por conversarem bastante, abriam-se como duas almas que se entendem. Ele confessava seus amores errados, tantas namoradas a quem havia dado rosas e recebido cinzas.

Ela, por sua vez, falava sobre o dia anterior: trabalho, supermercado, fila de banco, louças no jantar. Trabalhar e cuidar da casa nunca foi fácil. Ele ouvia atentamente, parecia-lhe um amigo de longa data por quem nutria confiança e uma pontinha de tesão.

Era muito atraente, a barba sempre por fazer, os cabelos despenteados, a roupa despojada.

Foram meses assim, em conversas quase diárias no almoço, no mesmo pátio de shopping onde se encontravam e comiam, juntos, antes de voltarem ao trabalho.

Até que certo dia um contou ao outro o que sentia. "Para falar a verdade, sempre lhe achei atraente". Ela, sorriso contido, respondeu que era recíproco.

Naquela noite — ou na noite passada —, se encontraram. Adultos, bem resolvidos e sozinhos. Uma noite para tirar todo o fardo diário da vida adulta.

Mas, no dia seguinte, veio o peso da incompreensão, cuja força mais parece chumbo!

8 de setembro de 2011

O encontro

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

À medida que olhava o relógio, a ansiedade aumentava; começou a inquietar-se, não tinha como voltar: o caminho era desconhecido, as respostas também. O medo aflorava pelas incertezas do encontro. Pensou em declinar, mas ouviu o barulho de passos atrás de si. Era ele.

O rosto sério, os lábios contraídos, nem parecia o homem de ontem e de sempre. Usava um chapéu preto que lhe dava certo ar de superioridade.

— Você, às vezes, me surpreende; já não é uma menina, mas se comporta como uma!

— Eu queria olhar para você e entender. Precisava respirar.

— Pensei que você soubesse que as coisas não funcionam conforme sua conveniência. Não houve promessas; não devo respostas.

5 de setembro de 2011

Na escuridão

Por Edilma e Deivid
Ilustração: Edilma

Passos firmes, ela cruzou a Avenida Sul e foi ter com ele na Rua Estreita. O que havia posto como missão, passou a ser vontade. Vontade incontida de encontrá-lo. De olhá-lo e fazer as perguntas que a inquietavam.

Quando chegou, hesitou um pouco por conta da escuridão que tomava o espaço. Não que o escuro fosse coisa estranha: toda noite, fechava completamente a porta e as janelas, conferia a cortina e tirava a TV da tomada. Tudo para não ter uma luz sequer.

Mas ali o escuro era outro, porque era misto de pouca luz e dúvida. Não havia ideias claras, nunca havia estado ali, sequer saberia voltar. Foi contornando as ruas conforme ele havia explicado — e, enfim, chegara.

"Ninguém tem o direito de me ter nos braços e passar o dia seguinte como se nada tivesse acontecido", disse de si para si. Era 22h15; ela o esperava.

4 de setembro de 2011

... gato mundo, lebre adulto

Começo a postar amanhã uma série de textos que fiz com minha amiga Edilma, do blog O Gato por Lebre.

A série já está pronta e foi dividida em oito partes, que serão publicadas nos dois blogs ao mesmo tempo, sempre de segunda e quinta, às 9h.

1 de setembro de 2011

De saída

Viu o cachorro correr alguns metros para colocar as patas sobre sua barriga. Havia se pintado especialmente para a ocasião, escolhera a dedo o vestido florido. Disse qualquer coisa, o apressou, conferiu as horas no celular.

"Não temos todo o tempo do mundo!", argumentou, na tentativa de convencê-lo de que o relógio era importante.

Para ele, oras, sequer precisavam sair: o seis por três da sala era suficiente; ou, ao menos, o bastante para manter o amor próximo e a animosidade longe.